Desafios e perspectivas para a promoção de uma justiça ambiental antirracista no Brasil: um destaque para as iniciativas da sociedade civil
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Naira Santa Rita Wayand de Almeida e Nanahira de Rabelo e Sant Anna
3/30/20247 min read
Desafios e perspectivas para a promoção de uma justiça ambiental antirracista no Brasil: um destaque para as iniciativas da sociedade civil
Naira Santa Rita Wayand de Almeida e Nanahira de Rabelo e Sant’Anna
Enquanto o mundo se depara com a premente crise climática, países do Sul Global enfrentam uma complexa rede de desafios que se cruzam, incluindo a redução das desigualdades sociais e a promoção do desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, o combate ao racismo ambiental e a justiça climática podem ser consideradas prioridades para nações em desenvolvimento como o Brasil, que se encontram na vanguarda dos esforços para impulsionar o crescimento econômico com inclusão social.
O racismo ambiental, definido como “injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre etnias e populações mais vulneráveis”, impacta significativamente a população que vive em favelas e periferias brasileiras, de maioria negra. Trata-se de locais carentes de acesso a serviços básicos, estrutura urbana e moradia digna, condições consideradas agravantes para os impactos das mudanças climáticas, tais como enchentes e deslizamentos .
Os conceitos de racismo ambiental e justiça climática devem ser compreendidos a partir de suas origens nos processos de colonização e escravização de povos originários e africanos, tendo em vista que as raízes do acesso desigual ao desenvolvimento remontam a esses processos. Um dos aspectos fundamentais da colonização foi o estabelecimento de uma hierarquia racial que posicionava os europeus como superiores às populações negras e indígenas das terras colonizadas, o que forneceu uma justificativa moral para ações de violência, apagamento cultural e exploração econômica em uma escala sem precedentes.
As cicatrizes da discriminação racial ficam ainda mais gravadas na perpetuação de sistemas que afligem injustamente as comunidades raciais. Isso é particularmente evidente na distribuição desigual dos encargos das injustiças ambientais e dos impactos das alterações climáticas.
Na década de 1970, Bullard introduziu o conceito de justiça ambiental, que abrange o princípio de que “todas as pessoas e comunidades têm direito à igual proteção das leis ambientais, de saúde, de emprego, de habitação, de transportes e de direitos civis”. Nos anos de 1980, Chavis Jr cunha o termo “racismo ambiental’’ para se referir à realidade dos grupos marginalizados, especialmente os negros e os povos indígenas, que suportam desproporcionalmente o peso dos impactos ambientais adversos, e à exclusão desses grupos dos espaços de formulação de políticas públicas sociais e ambientais.
O presente estudo tem por objetivo discutir possíveis ações estratégicas para promoção de justiça socioambiental no Brasil, considerando as interseccionalidades entre o racismo ambiental, as desigualdades sociais e a escalada da crise climática. Para responder à questão da pesquisa — quais os desafios e perspectivas para a promoção de uma justiça ambiental antirracista no Brasil? — analisamos o conteúdo referente a populações vulneráveis nas políticas brasileiras de meio ambiente e mudança do clima e apresentamos ações de enfrentamento ao racismo ambiental protagonizadas pela sociedade civil.
A análise das políticas revelou que, entre as décadas de 1930 e 1970, quando referido em ações pontuais de gestão sobre águas e florestas, o termo “populações vulneráveis” dizia respeito a povos ribeirinhos e indígenas, consideradas suas necessidades de sobrevivência. No período entre o lançamento da Política Nacional do Meio Ambiente (1981), e da Política Nacional sobre Mudança do Clima (2009), foram instituídos mecanismos de participação pública na política ambiental, incluindo populações tradicionais. Lançado em 2016, o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima considera que grupos e populações mais vulneráveis, como populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas precisam ser atendidas de forma multissetorial, regionalizada e prioritária, incluindo a aplicação de abordagens sensíveis ao gênero e com critérios raciais e étnicos.
A urgência de mitigar as consequências da crise do clima, considerando suas interseccionalidades com as desigualdades sociais e o racismo sistêmico, vem trazendo a provocação da necessidade de reavaliação dos processos de formulação de políticas públicas. Nesse sentido e em linha com o pensamento de Bullard, uma nova organização política precisa ser proposta para enfrentar o racismo ambiental e promover justiça climática, que coloque em primeiro plano nas mesas de formulação de políticas públicas e incidência política as perspectivas dos grupos mais afetados pelas desigualdades sociais e o avanço da crise climática.
Um exemplo de iniciativa da sociedade civil por justiça ambiental antirracista é representado pelo Instituto DuClima, organização dedicada a apoiar todos os atores envolvidos na agenda climática (setor público, privado, terceiro setor e sociedade civil) no combate efetivo ao racismo ambiental e na promoção de justiça climática antirracista, com foco na proteção dos grupos mais afetados (negros, indígenas, quilombolas, mulheres e crianças), e na promoção de educação e formulação de políticas públicas sobre temas como deslocamento climático e seu impacto nos grupos vulnerabilizados. Uma ação recente consiste na defesa de critérios de prioridade no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida para indivíduos afetados por eventos extremos e desastres socioambientais. Uma emenda contemplando esse conteúdo, proposta em parceria com o Instituto Marielle Franco, foi aceita e incorporada à medida provisória transformada na Lei nº 14.620/2023, que recriou o Programa.
Outra iniciativa consiste na Rede por Adaptação Antirracista , que nasceu da união de diversas organizações do terceiro setor e da sociedade civil para fomentar uma agenda de adaptação climática antirracista no território nacional, incidindo em agendas com foco na crise do clima, direitos humanos e justiça climática de forma coordenada, influenciando especialmente os movimentos legislativos. A Rede foi responsável por elaborar um manifesto público assinado por mais de 30 organizações de todo o país em 2022, denominado Emergência Climática no Brasil: a Necessidade de uma Adaptação Não-Racista, direcionado para o governo brasileiro e a sociedade civil.
Por fim, o Instituto de Referência Negra Peregum , organização sem fins lucrativos criada por militantes da educação popular em 2019, tem por missão fortalecer a população negra e periférica, com e a partir dos movimentos negros, visando transformar as políticas públicas e as pessoas em direção a uma sociedade antirracista. Em um dos eixos considerados pelo Instituto como urgentes e prioritários, nomeadamente Clima e Cidade, suas ações incluem projetos em planejamento urbano, ambiental e climático, envolvendo a criação de estações meteorológicas nas periferias para viabilizar o monitoramento do clima nos extremos da cidade, a organização de hortas comunitárias urbanas e formações sobre soberania alimentar, agroecologia e mapeamento territorial.
Ações como as apresentadas neste artigo têm potencial para remodelar o panorama do discurso ambiental e climático no Brasil. Ao promover a justiça ambiental antirracista, esses esforços não só abordam preocupações imediatas relacionadas com a poluição, a degradação dos solos e os impactos das alterações climáticas, mas também se esforçam por erradicar injustiças históricas e sistêmicas de longa data. Através da promoção da sensibilização, da facilitação do diálogo e da defesa de mudanças políticas, abrem caminho para um futuro menos desigual, garantindo que os benefícios e encargos ambientais sejam distribuídos equitativamente pelas diversas comunidades.
Com a presente pesquisa, buscamos iluminar caminhos acionáveis que incorporem equidade e inclusão, nos quais as perspectivas dos grupos que carregam o peso das disparidades raciais sejam efetivamente consideradas. O engajamento da sociedade civil brasileira serve como exemplo e demonstra o poder da ação coletiva na retomada para incidir nos espaços de mudança efetiva. Ao considerar a participação de grupos marginalizados, pretendemos inspirar cursos de ação que alinhem o compromisso do país com a preservação ambiental e a mitigação das mudanças climáticas com os princípios de justiça, equidade e garantia de direitos humanos.
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